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Reaprendendo a ver

Atualizado: 6 de ago.

Complexidade, Agilidade, ESG e a Nova Geração de Organizações





Não há inovação mais difícil e revolucionária que a inovação na forma de pensar.


Em 2001, inspirados por nossos momentos de vida particulares, pelo livro Capitalismo Natural e pelo desejo de levar uma vida profissional que expressasse mais os nossos valores, dois amigos e eu, fundamos a Atitude - uma consultoria em gestão, com foco em Desenvolvimento Sustentável (há 20 anos ainda não se falava em Regeneração). Nessa época, o tema ainda era bastante novo no Brasil e nós investimos um ano pesquisando, desenvolvendo parcerias nacionais e internacionais (Instituto Ethos, Rocky Mountain Institute, SustainAbility) e refletindo sobre o que seria construir uma prática de consultoria inovadora não apenas na proposta da sustentabilidade, mas também na forma de fazer consultoria. Nesse período, fizemos um trabalho com o Dr. Fernando Bignardi (médico homeopata e artista do invisível) que, uma vez, durante uma de nossas conversas, disse a seguinte frase - "cuidado para não fazer agricultura convencional com insumo orgânico" - para não fazer uma agricultura que muda superficialmente passando a usar composto orgânico ao invés de químico, sem questionar os pressupostos da própria forma de fazer agricultura, sem questionar a relação da agricultura com a natureza, sem questionar a forma de pensar a agricultura. Será que uma plantação gigante de alface, em estilo monocultura, que é adubada organicamente é realmente orgânica? O que é ser orgânico? Tínhamos outras perguntas - O que é ser uma organização sustentável? Será que uma organização para ser sustentável precisa ser mais orgânica? Que tipo de consultoria (também em sua abordagem, não apenas no foco) melhor serve a jornada para esse tipo de organização? Hoje, a pergunta que me vem com frequência é – de que forma as práticas ESG servem à regeneração das relações sociais e ecológicas das organizações?


Logo que comecei a me envolver com a agilidade, vi muitas vezes a expressão “fake agility” e me lembrei imediatamente dessa conversa. Fake agility, para mim, é a "adoção" de práticas/conceitos ágeis sem o necessário questionamento da cultura, da filosofia de organização e execução do trabalho, da postura da liderança. Isso acontece em organizações que não percebem a profundidade da mudança exigida para sair de uma estrutura hierárquica para uma estrutura em rede; para sair de uma cultura de metodologias, padronização de práticas (best practices) e replicação de soluções, para uma cultura de inovação e criação de soluções únicas; para sair de processos rígidos de planejamento e execução controlada pela força da autoridade para resultados obtidos pela maior conexão/colaboração entre equipes e com clientes e pela aprendizagem contínua. O que é realmente uma organização ágil?


O que são ESG e Agilidade?  Novos modelos? Frameworks? Roadmaps? Conceitos? Propostas de reflexão? Convites a novas formas de organizar nossa presença na sociedade e no planeta?


Acredito que ambos propõem uma mudança que é sim uma mudança de forma de trabalho – o que e como fazer, gerir, decidir, mas também são muito mais que isso, propõem que a gente questione pressupostos bastante arraigados sobre nossa forma de enxergar não apenas a organização do trabalho, mas o mundo e como nos relacionamos com ele. Propõem uma mudança na nossa forma de ver e de pensar.


A organização como conceito, surgiu no século XVIII com a Revolução Industrial que foi possibilitada pela invenção das máquinas. A visão de mundo nessa época era influenciada pela física clássica de Isaac Newton cujas leis regem os corpos materiais (inanimados) - por exemplo, se eu aplico uma força em um objeto, ele se move na direção dessa força de uma forma que pode ser prevista e medida quantitativamente. As máquinas funcionam de acordo com essas leis. A mesma visão de mundo, essas mesmas leis, foram, em larga escala, aplicadas à organização do trabalho. Frederick Taylor, buscando a mesma eficiência operacional das máquinas, escreveu, no começo do século passado, “Princípios da Administração Científica”. Nascia a divisão do trabalho e o funcionamento das organizações como máquinas (e das pessoas como “recursos”). Cada pessoa tinha funções específicas e bem definidas (nascia o job description), como peças de uma engrenagem, e trabalhava numa linha de montagem buscando máxima eficiência e produtividade. Nesse contexto, ninguém tinha a visão do todo, portanto, o trabalho das pessoas precisava ser planejado, controlado e medido de fora, então também é criada a divisão entre quem pensa e quem faz e junto com ela a hierarquia e a burocracia. Simplificadamente, a identidade de uma organização na época era inspirada em uma máquina e a identidade das pessoas se resumia a peças dessa máquina com uma de duas funções - fazer um trabalho monótono e repetitivo com o qual não era necessária nenhuma conexão pessoal; ou planejar, motivar e controlar o trabalho das outras peças para que elas não parassem de produzir.


Muito mudou de lá pra cá, é verdade, com a passagem da era industrial para a era do conhecimento - as funções foram se diversificando e evoluindo, assim como os mecanismos de planejamento, motivação e controle, mas nada que realmente mudasse essa identidade de máquina - da organização, e de recurso - das pessoas (e, analogamente, da natureza). Ou seja, as organizações evoluíram muito, mas dentro da mesma visão de mundo. Eu acredito que a agilidade propõe essa mudança. Ao sugerir novas formas de trabalho, na minha opinião, ela está sugerindo uma reflexão sobre essas identidades. Não é possível funcionar de forma ágil a partir de uma identidade de máquina. Não é possível funcionar de forma criativa a partir de uma identidade de recurso. É preciso mudar as metáforas inspiradoras. Voltando no início dessa introdução, o fake agility acontece em uma organização que ainda se enxerga como máquina, mas está tentando funcionar como organismo. Que vê pessoas como recursos, mas quer que elas funcionem como indivíduos livres e criativos. Essa não é uma mudança simples e não há prática ágil que, por si só, traga isso.


Acho que aqui cabe um parêntese. Embora a agilidade seja uma proposta que nasce em resposta à crescente complexidade/ interconectividade do mundo, o mundo já era, no sentido estrito, um lugar complexo quando nasceu a Revolução Industrial. Como também eram as próprias indústrias. A complexidade é uma qualidade intrínseca à natureza e a grupos humanos. Atribuir um funcionamento de máquina ao grupo social que é uma organização foi um “erro de percepção” devido à visão de mundo mecanicista/ materialista/racionalista da época, derivada da metodologia científica de Francis Bacon e da física clássica de Newton. A natureza, por exemplo, era vista como um relógio de funcionamento preciso, cujo comportamento poderia ser previsto caso suas leis fossem conhecidas; e os seres humanos e a sociedade poderiam gozar da mesma precisão e previsibilidade desde que despidos de suas emoções e subjetividades. Essa complexidade intrínseca aos contextos naturais e sociais não foi vista porque nossa espécie ainda não tinha olhos capazes de enxergá-la. E, em muitos sentidos, hoje ainda não temos.


Gregory Bateson tem uma frase que ilustra isso muito bem - "os maiores problemas do mundo são resultado da diferença entre como a natureza funciona e como as pessoas pensam”.


Essa diferença, no caso das organizações, foi se tornando insustentável com o aumento da complexidade do mercado e a entrada na era VUCA. Como a rigidez de uma máquina pode responder à fluidez de um mercado altamente volátil?

Foi, também, se tornando insustentável com a erosão das relações sociais e com a destruição ecológica. Como a inconsciência de uma máquina pode se sensibilizar e responder às dores do mundo?


Felizmente, ao mesmo tempo em que a relação das organizações com o mundo foi complexificada, também evoluiu, no último século, nossa forma de compreendê-lo. A partir das novas ciências, começamos a entender que existe mais no mundo que a realidade material e que a natureza não é feita de seres independentes, que se comportam de acordo com leis estáticas, mas de seres e processos altamente interconectados e adaptáveis que se influenciam o tempo todo, e que qualquer mudança em um desses sistemas afeta todo os outros de forma imprevisível. Essa mudança de visão tem sido tão radical – como uma compreensão da forma profunda com que estamos emaranhados - que a própria percepção de “ser”, de identidade, como aquilo que cria fronteira entre o eu e o não-eu, vem sendo desafiada.


Em princípio, o que diferencia uma máquina, por mais complicada que ela seja, de um sistema complexo, seja ele um ser humano, a natureza ou uma organização é essa interdependência. Não há nenhum problema em trocar uma peça de um carro por outra igual, por exemplo; já substituir um órgão de um ser humano, ou uma pessoa em uma organização, exige cuidado - há resistência, curva de aprendizagem, o sistema sente a mudança e reage a ela. Quanto maior o número de conexões entre as partes desse sistema, maior o nível de complexidade que ele apresenta e maior o nível de incerteza quanto aos impactos de uma ação sobre ele. De forma bem simplificada, enquanto em uma máquina, as qualidades de seu funcionamento dependem da soma das peças que a compõem e seu comportamento é previsível pela relação linear e estática que existe entre essas partes, as qualidades de um sistema complexo (seus gestos) emergem das relações entre as partes e esse comportamento é imprevisível pela característica mutante dessas relações. Por exemplo, uma simulação ilustra muito bem as formações de vôo coordenado de um bando de pássaros, a partir de três princípios relacionais simples - 1. evite colisões, 2. não se distancie muito dos outros pássaros ou do centro do bando e 3. voe em paralelo, ou seja, sempre na mesma direção. Qualquer mínima mudança na posição de um único pássaro provoca uma reorganização de todo o bando para que as relações sejam mantidas e gera aquela dança coordenada que a gente vê no céu. É a qualidade de auto-organização dos sistemas complexos – um processo dinâmico e adaptativo onde um sistema adquire e mantém sua estrutura de forma autônoma, sem um controle externo.


As novas ciências convidam a uma nova forma de conhecer - ao invés de estudar as coisas separadamente, elas sugerem que desenvolvamos a habilidade de ver as relações e as interações entre as partes componentes. Aprendemos a ver, então, não as coisas, mas os espaços entre elas. A enxergar a ordem que move o todo, ver para além das partes.


Para compreender o fenômeno da dança dos pássaros, é preciso observar como eles se comportam em relação uns aos outros. As formas “emergem" de princípios relacionais. A dança é um processo dialógico entre ordem e desordem – movimentos individuais provocando rearranjos de acordo com regras intrínsecas. Estudando um único pássaro, ou mesmo todos, separados desse contexto, a gente perde o movimento, a constante metamorfose do todo, a vida.


Nos últimos séculos, a lógica mecânica, por ser a predominante, e apesar de ter nascido do estudo de corpos materiais, foi aplicada indistintamente a todos os campos do conhecimento, inclusive a campos sociais como a organização do trabalho como eu mencionei acima. Focando no estudo das coisas extraídas de seus contextos, ela padronizou a nossa forma de pensar e nos tornou cegos para a interdependência intrínseca aos sistemas sociais e naturais. Isso ajuda a compreender, por exemplo, o enorme percentual de projetos de mudança organizacional que são reportados como não tendo atingido seus objetivos. Grande parte desses projetos requer mudanças culturais e a cultura de uma organização, para todos os efeitos práticos, não é diferente, em essência, de um bando de pássaros. Ela é algo que emerge, dinâmica e continuamente, da interação de todas as pessoas da organização e desta com o contexto de mercado em que ela está inserida, com a complexidade adicional de que humanos também têm capacidade reflexiva para olhar para si mesmos e para o todo e aplicar inteligência e conhecimento na evolução de nossas formas de coexistir e criar juntos.


Na lógica mecânica, criamos hierarquias e poder centralizado na ilusão de controlar esse dinamismo. Entretanto, essas estruturas são frágeis. Como diria Donella Meadows – “a gestão precisa aprender a dançar com a complexidade”. Por exemplo, não é suficiente treinar todo mundo em Scrum. É preciso permitir que os princípios relacionais habilitadores e restritivos da prática do Scrum se tornem visíveis a todos os envolvidos e criar espaços onde eles possam ser discutidos e modificados (no complexo, conversar é imperativo e tem um fim em si mesmo). As relações que se estabelecem em um contexto de autoridade e decisão centralizada, muito provavelmente, são bem diferentes daquelas necessárias à prática do Scrum. Simplesmente organizar as pessoas em squads sem o questionamento dessas relações, resulta numa “agricultura convencional com insumo orgânico”, uma mudança superficial que não só distorce o propósito da prática, mas também é insustentável no tempo. Também não é suficiente que a organização “decida" pelo uso do Scrum. Pessoas e grupos sociais são sistemas vivos, internally-driven e não reagem previsivelmente a forças externas. O uso de autoridade, ou mesmo de mecanismos de motivação extrínseca, costumam ser os maiores geradores de resistência e, até mesmo de maior passividade.

Embora essa forma de ver complexa/orgânica das novas ciências já esteja por aí há algumas décadas, ela, com certeza, ainda não faz parte da nossa consciência cotidiana. Nós ainda pensamos, sentimos e agimos dentro do paradigma da lógica mecânica-linear que se expressa em tudo à nossa volta. É ela que está na base de escolas que organizam o ensino em disciplinas separadas e de forma descontextualizada do mundo da criança. É também essa lógica que está por trás do funcionamento em silos das organizações, da medicina convencional e da economia clássica.


É também a lógica mecânica que faz com que as organizações, ao precisarem adquirir novas qualidades, como a sustentabilidade, por exemplo, enxerguem, como primeira solução, a criação de um novo departamento (silo) ou, em organizações menores, um comitê, que vai “cuidar da" ou “adicionar" essa qualidade organizacional. Fazem isso por não entender que a qualidade “uma organização que atua sustentavelmente” é uma postura, uma forma de funcionar organizacional e cultural que só “aparece" quando está entranhada na empresa. É uma qualidade dinâmica que adquire diferentes formas no tempo e que precisa emergir de novos princípios relacionais, de muitas pequenas conversas, ações e decisões negociadas em diferentes configurações de poder, necessidades, intenções, incertezas. Não há roadmap para esse caminho. A sustentabilidade não é um estágio que uma organização atinge. É algo que precisa ser construído na inovação e continuidade das relações internas e externas e o alvo não é óbvio. Também está sempre se movendo. Pode até ser que a ideia da adição de um novo departamento tenha o propósito de fazer exatamente isso, mas como ele surge primeiro como algo externo à conversa corrente, o que se vê geralmente acontecer, são tentativas contínuas e frustradas desse novo departamento de estabelecer relações com os outros que continuam seu caminho, já bastante ocupado, do business as usual. É essa mesma lógica da adição, tão típica do pensamento linear, que faz acreditar que a soma de vários squads torna uma organização ágil.

 

A Agilidade de Negócios e ESG não podem ser algo que a gente simplesmente “cola” na organização como uma nova roupa que se veste. São um convite a uma ressignificação do que são organizações e de seu papel no mundo.


Por estarmos vivendo nesse tempo de transição entre essas duas lógicas -mecânica/linear e orgânica/complexa - é que eu entendo que o desafio da Agilidade de Negócios e do ESG, se os entendermos não como frameworks ou conjuntos de regras e normas estáveis, mas como convites ao movimento, ao questionamento, à fluidez dos relacionamentos, não são desafios meramente organizacionais, mas desafios da nossa era, muito mais profundos. Essa forma de pensar que produziu resultados organizacionais extraordinários e todos os avanços tecnológicos, materiais e de conhecimento a que estamos acostumados hoje em dia, também está na base da destruição da biosfera, de desigualdades sociais inimagináveis, pra não dizer inaceitáveis, e de estatísticas que dizem que um alto percentual da força de trabalho não sente nenhuma conexão com o que faz e não tira nenhuma satisfação do trabalho. Precisamos olhar para o que conseguimos com respeito e gratidão e com a consciência de que não serve mais. Não precisamos descartá-la, ela ainda é bastante útil, mas precisamos transcendê-la e criar o discernimento de que ela não pode ser aplicada a tudo.


A forma mecânica/linear de compreender o mundo também produziu outra divisão importante e equivocada. A separação entre sujeito e objeto. Essa separação desemboca na crença de que nós percebemos o mundo exatamente como ele é através dos sentidos, gerando nossa idolatria atual à objetividade. Mas não é exatamente assim que funciona. Nossa percepção tem um componente sensorial, mas também um componente não-sensorial, uma ideia organizadora que é o sentido que fazemos dos dados sensoriais, a forma como organizamos essas informações em um padrão que conseguimos reconhecer. A percepção é um processo relacional entre sujeito e objeto - o que vemos não está nem lá fora, nem aqui dentro, mas emerge na relação. Quando entendemos que o que os sentidos apresentam à mente é uma quantidade enorme de dados sem nenhuma organização (caos), fica fácil entender que é a mente que “impõe” um framework organizador que dá significado a esses dados. Ou seja, é a mente que faz as conexões entre os dados criando um todo coeso, criando “meaning”. O desafio é que como dados sensoriais e significados aparecem em nossa consciência simultaneamente, acreditamos que estamos vendo a “realidade objetiva”, estamos vendo “a maneira como as coisas são”, sem nos darmos conta do peso da dimensão subjetiva atribuída por nós.


Para ilustrar ainda mais uma vez... Olhar a natureza com olhos mecânicos é como se estivéssemos olhando a vitrine onde a natureza expõe tudo que cria, mas se conseguimos evoluir para um olhar orgânico, é como visitar a “fábrica" onde a natureza produz incessantemente aquilo que aparece na vitrine como seres e entidades (aos nossos olhos de hoje) separadas. Visitando a fábrica é possível ver as forças generativas, criadoras, é possível ver o movimento (1). O que seria, analogamente, visitar a fábrica produtora da cultura de uma organização? É olhar "por detrás" da cortina do comportamento organizacional para ver regras generativas, as leis criadoras desse comportamento, um comportamento que nasce, sem dúvida, de quem os indivíduos são, mas também da forma como são influenciados e influenciam todos os outros indivíduos à sua volta.


Se o que vemos nasce dinamicamente, emerge, de nossa interação com o mundo, podemos inferir que a lógica mecânica é um padrão de pensamento, uma ideia organizadora que estrutura a forma como percebemos tudo a nossa volta. Como todos nascemos em uma época em que essa é a lógica dominante, todos aprendemos a ver o mundo por essas lentes - como eu costumo dizer, fomos cozidos nesse caldo, e somos cegos para nossa própria cegueira. A “implantação” da agilidade ou do ESG, sem esses questionamentos mais profundos, é um rearranjo na vitrine. Isso não muda nada. Só cria uma desconexão entre o que a fábrica está tentando criar e o que a vitrine está tentando mostrar. E eu não preciso te dizer quem é mais forte né?


É por tudo isso que eu penso que essa é uma mudança desafiadora e evolutiva não só de todos nós como profissionais, mas, também, como indivíduos e como sociedade.


Essa forma de ver tem também suas ramificações em nossa forma de sentir, querer e agir:





Para mim, uma das consequências mais cruéis (embora, eu acredite, necessária, evolutivamente), que todos experimentamos, dessa divisão histórica entre sujeito e objeto, é essa sensação de externalidade que temos em relação a tudo. Eu estou à parte do mundo, à parte do outro, à parte da organização. Tudo está lá fora, externo a mim. Eu interfiro, moldo, ensino, digo, também podem ser verbos menos diretivos - ajudo, sustento, compreendo, ouço, não muda a lógica - sujeito, verbo, objeto. Eu ajo sobre o mundo. Todo o conhecimento (pelo menos o ocidental) gerado nos últimos séculos, tem sido buscado e aplicado dentro dessa lógica de domínio. De ação sobre. O corolário triste disso tudo é que fomos levados para esse lugar solitário, de relação unidirecional, de impermeabilidade à circularidade da vida. Nós perdemos a capacidade de... pertencer. De pertencer ao planeta, de pertencer à sociedade, de pertencer um ao outro. Para pertencer é preciso conseguir habitar um lugar de vulnerabilidade, readquirir a intimidade com nossos sentimentos e subjetividades ainda tão inferiorizados. Abrir espaço para que eles possam respirar. Nós não vamos mudar o contexto lá fora, vamos, juntos, aprender novas formas de coexistir. Mudar nossas organizações, a sociedade ou o mundo, passa por nos permitirmos ser modificados por eles (paradoxal não?). Aprender, dialogar, pertencer, co-construir são facetas de um mesmo todo. São expressões de um modo orgânico de pensar, de um modo orgânico de entender e estar no mundo.


O que é, então, essa nova geração de organizações que estamos todos buscando?


Havendo, realmente, uma transição na forma de ver, um entendimento profundo e verdadeiro da interconectividade que caracteriza os sistemas complexos e a vida e do que isso demanda de nós como participantes dessa teia, então, para mim, é quase natural que as organizações evoluam de um sentimento de domínio, poder e separatividade para esse pertencer à sociedade e ao planeta. Que elas busquem formas mais ecológicas de se organizar, gerir e relacionar e saiam de sua postura passiva de precisar ser convencidas dentro dos atuais parâmetros do business de que faz sentido ser social e ambientalmente responsável e iniciem uma jornada intencional para se tornarem social e ambientalmente integradas.


Os desafios que enfrentamos não vão exigir nada menos do que isso.


(1) Devo essa metáfora da fábrica a Allan Kaplan no livro - Artists of the Invisible

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